Romãs Tudo começou quando eu me mudei para um prédio antigo em laranjeiras. Era o prédio que mais parecia amigável da rua, em que a maioria das construções estavam abandonadas. Um prédio de ladrilhos em tom de rosa e uma espécie de vermelho queimado. As paredes e portas dos apartamentos eram grossas, então era um edifício de boa qualidade, e graças a sua localização, era um bairro seguro. A melhor decisão para uma recém divorciada viver de forma minimamente tranquila. Na frente do prédio entitulado Romance, havia um belo pé de romãs, que chamou a minha atenção desde o primeiro dia. Lindo, cheio de foolhas vivas e lindas, carregadas de frutos. O prédio era famoso, tipo o Copacabana Palace de Laranjeiras, havia um ditado que dizia: Quem entra no Romance não nunca mais sai. Porque a dona não deixa. Eu havia conhecido a dona Helena, dona também do prédio, uma senhora, mas não tão senhora, lá pelos quarenta e tantos ou cinquenta e poucos. Cabelo acaju, típico de senhora, mas ela estava inteirona, até melhor que eu, que tinha recém feito trinta e dois. Era uma mluher simpática, elegante, boa de lábia e um sotaque de carioca antigo, se estivéssemos em copacabana, ela teria sido escrita por Manoel Carlos. Dona Helena estava na recepção, com uma cesta de presentes, com um laço gigantesco, mas não estava com uma cara boa. Ela estava discutindo com quem eu apenas posso presumir que fosse uma moradora. A vizinha, não tinha uma boa aparência, cabelos ruivos desgrenhados, grandes bolsas escuras em baixo de seus olhos que estavam vermelhos. Não pude concluir se era falta de sono ou excesso de drogas. A mulher cheirava mal, tremia e, se estivesse minimamente hidratada, estaria chorando. Evitei de torcer o nariz, não queria se indelicada, afinal não sabia pelo que essa mulher estaria passando. Não era meu lugar julgar. Helena, ao me ver, abriu um sorriso simpático, e apenas fez um sinal, rude, na minha visão, de espantar a mulher com a mão. Mas não era da minha conta. "Estou aqui apenas para pegar as chaves." Eu disse. "Ah, Denise, estava te esperando. Tenho um presente de boas vindas para você." Ela me entregou a cesta emperiquitada. "Direto das romãs do Romance." Eu agradeci com um sorriso tímido, não querendo ser chata mas, apesar da beleza da árvore, eu detestava tudo sobre romãs. O gosto, o suco, o cheiro e principalmente a bagunça que as sementes faziam. Mas não recusei, para não casar nenhum desconforto. "Peço perdão pela cena de mais cedo," Ela foi sorrateira, eu notei. Parecia mais interessada em fazer fofoca do que desconfortável. "Juliana é... complicada. Foi por causa dela que a outra vizinha se foi. Seria de bom tom se você pudesse fingir que não viu nada." E eu apenas respondi: "Vi o que?" Ao chegar no meu apartamento no oitavo andar, dei de cara com a tal da Juliana, me encarando da porta entreaberta, do apartamento em frente ao meu. Já que existiam apenas dois apartamentos por andar, ela seria minha única vizinha. Okay, aquilo era estranho para caralho. O olhar dela era extremamente penetrante, ela tremia da cabaça aos pés. Eu estava paralizada de medo. Não ousei me mexer, nem dizer nada. Apenas a encarei de volta, tentando me acalmar. Não sabia porque estava com tanto medo, mas estava com uma péssima sensação. Quando o elevador quase se fechou, decidi que não seria impedida de entrar na minha própria casa por uma maluca, dei passos devagar, se cortar o contato visual com ela. "Está tudo bem?" Ao notar que eu a via, ela abriu um pouco mais a porta, sem sair de dentro da própria casa. "Entre com o pé direito." Apenas quatro palavras foram o suficiente para mandar um arrepio pela minha espinha. De repente o ar pareceu muito mais pesado quando eu olhei para a porta daquela que seria minha casa. Olhei de volta para a mulher e ela já não parecia tão assustadora assim. Não comparada ao imponente número 81 em dourado na minha porta. Andei os menos de quatro metros entre a entrada do elevador e a minha porta tensa como se estivesse prestes a enfrentar um grande mal. Cuidadosamente destranquei e abria a porta para o apartamento escuro. Fiz questão de entrar com o pé direito. Supersticiosa ou não. Não e custava nada. Me virei para olhar Juliana, que me olhava e parecia aliviada, tinha o rosto relaxado e até um leve sorriso. "Seja bem-vinda ao Romance." Foi o que ela me disse antes de fechar a própria porta. Enquanto fazia um voto de nunca mais falar com essa descompensada na vida, meu celular tocou, minha mãe estava empolgada com o apartamento novo e mais empolgada ainda em se livrar do Piolho, meu gato que ficou com ela para eu ajeitar as coisas. Na manhã seguinte eu já havia até me esquecido do encontro bizarro que eu tive com a vizinha esquisita. Estava aproveitando minha nova liberdade depois de oito anos em um casamento fracassado, não iriam tirar a minha paz tão facilmente. No entanto, enquanto eu tomava meu clássico café da manhã, pão na chapa e um pingado, ouvi batidas na porta. Três batidas suaves. Estranhei, não esperava visitas. Olhei pelo olho mágico, era a vizinha, mas eu ainda não sabia, porque ela parecia completamente outra pessoa. Estava de vestido verde claro, cabelos ruivos limpos soltos e alinhados, as bolsas em baixo dos olhos cobertas por maquiagem, corada nas bochechas, brilho labial na boca. O cheiro do dia anterior não havia nem sombra, apenas o aroma delicioso de cerejeiras vindo dela. "Pois não?" "Olá, bom dia." Ela estava nervosa. "Não queria incomodar logo de manhã, mas acho que não passei uma boa primeira impressão ontem." Devo ter feito uma cara muito chocada, porque ela deu uma risadinha e botou os cabelos atrás da orelha antes de continuar falando: "Desculpa se te assustei ontem, eu não estava... bem. Meu nome é Juliana." "Está tudo bem, fica tranquila. Eu sou Denise." Ela parecia inquieta, então a convidei para entrar e tomar café comigo, talvez não fosse a mais inteligente das decisões, mas eu me compadeço facilmente das pessoas.